Rua dos Andradas

Sobreviventes da Kiss investem em negócio na rua da tragédia

Thays Ceretta

Fotos: Gabriel Haesbaert (Diário)
Sobrevivente de 27 de janeiro de 2013, o casal Aline Maia e Francisco Pinto, ambos de 33 anos, irá inaugurar neste mês o CFC ao lado da boate: "É preciso mudar a visão da Rua dos Andradas"

Depois de quase seis anos, a quadra da Rua dos Andradas, no centro de Santa Maria, local onde está o prédio da boate Kiss, começa a se reerguer. O lugar, que carrega cicatrizes, traz lembranças, saudade e tristeza, aos poucos, começa a mudar esse cenário. A construção do Memorial promete ser um gatilho para que a rua ganhe um novo olhar. Por ironia do destino ou não, quem inicia esse processo são dois sobreviventes da maior tragédia do Rio Grande do Sul. O incêndio na casa noturna deixou 242 mortos e 636 feridos em janeiro de 2013.

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O casal Aline Maia e Francisco Pinto, ambos com 33 anos, alugou uma parte do prédio que fica ao lado da casa noturna. Neste mês, eles irão inaugurar a nova sede do seu centro de formação de condutores (CFC), que atualmente funciona na Avenida Dores. O empresário conta que precisava de um local mais amplo para o CFC. Francisco procurou vários lugares, mas decidiu ficar na Rua dos Andradas pela localização, mesmo sabendo que as lembranças daquela noite poderiam vir à tona.

O negócio foi fechado antes mesmo de a reforma terminar. O maior obstáculo foi levar a esposa até o local. Francisco fez a negociação sem Aline saber. A primeira visita ao imóvel foi mais difícil.

- Na primeira vez, ela entrou aqui chorando. Mas aí, com o tempo, as coisas foram melhorando, a obra foi andando, e ela foi se adaptando. No arquivo, no subsolo, ela não vai muito, fica receosa - conta Francisco.

Aline ainda se emociona ao tocar no assunto. Na noite de 27 de janeiro de 2013, o casal conseguiu sair do prédio, que estava envolto em fumaça. Aline ficou com sequelas respiratórias e ainda faz tratamento.

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Devido ao trauma, após a primeira visita ao novo prédio do CFC, Aline ficou dois dias sem conversar com o marido. Ela chegou a buscar ajuda no psiquiatra, mas, agora, a situação está mais amena.

- No primeiro momento, foi um susto, porque, querendo ou não, essa rua ficou meio sombria. Mas, com o tempo, foi tudo ficando tão bonito aqui dentro. Quando estou aqui, até esqueço que é do lado da Kiss - diz Aline, que se emociona ao lembrar dos dias difíceis que passou.

A diretora de marketing da empresa e o marido acreditam que, com o futuro memorial, a rua vai ficar bem mais atrativa e movimentada. Eles percebem que o local já está mais iluminado. E a expectativa é que, aos poucos, outros moradores reformem os prédios, e outras empresas se instalem no local.

- Agora, só tem a crescer. A gente precisa mudar a visão da Rua dos Andradas, aquela coisa meio assombrada, para algo mais bonito, com mais movimento. A gente nunca vai esquecer o que aconteceu, temos que ter respeito e empatia - completa Aline.

O projeto legal do Memorial da Kiss está na prefeitura e deve ser liberado até quinta-feira da próxima semana. A construção, orçada em R$ 3 milhões, depende de recursos de doações, e não tem data para começar.

REAÇÃO POSITIVA
O psicólogo André Assunção explica que o trabalho do conteúdo emocional (psicológico) ao longo desses quase seis anos é importante para superar as sequelas do episódio.

- Além disso, essa atitude pode ser considerada uma reação contrafóbica, ou seja, uma tentativa de fazer o enfrentamento da situação e torná-la "menos pior". Penso que as tentativas de amenizar o sofrimento que o drama ocorrido na boate Kiss deixou serão sempre bem-vindas, uma vez que isso é sinal de saúde emocional e mental - avalia.

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A Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) entende que a Rua dos Andradas precisa voltar ao normal, e a intenção do Memorial é justamente revitalizar o espaço.

- Podemos guardar a memória com carinho e respeito ao que aconteceu naquele espaço, e não transformar aquilo em um cemitério. Nossa intenção é dar vida para aquele local. É para isso que o memorial vai servir - afirma o presidente da Associação, Sérgio da Silva.

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Imóvel, que deve dar lugar a memorial, fica entre o CFC e um edifício residencial. Aos poucos, a região retoma a sua rotina

Para muitas pessoas, ainda pode ser difícil cruzar pelos 220 metros da Rua dos Andradas, entre a Rua André Marques e a Avenida Rio Branco. Após o incêndio, alguns vizinhos do prédio do outro lado da Kiss deixaram suas casas. Atualmente, três estão habitados. A síndica, a aposentada Nelsi Helena Pigatto, 72 anos, mora no imóvel há 20 anos. Ela percebeu que, após a tragédia, a rua mudou muito, mas que a melhora deve acontecer em questão de tempo.

- A rua ficou mais triste, passou tantos anos com tudo fechado. Ficou ruim de conviver ali porque as pessoas perderam entes queridos - lembra.

Nelsi afirma que modificar o prédio da boate, com memorial ou não, é fundamental.

- A gente espera que tudo melhore, que a rua perca a tristeza e ganhe alegria - afirma.

Memorial da Kiss ainda não tem data para começar as obras

Os donos de uma imobiliária localizada na mesma quadra preferem não falar sobre o assunto. Ao mesmo tempo que uns decidiram sair dali para tentar amenizar a dor, outros buscaram motivação para se instalar no local. É o caso da Igreja Missão Santa Maria, aberta na região há dois anos. Conforme o pastor Jader Maretoli, a igreja enxergou um estímulo para estar ali.  

- É por enxergar que um dos propósitos da igreja é transformar e recomeçar vidas. Fomos com esse propósito, para fazer com que muitos sonhos comecem. Na rua que teve choro, hoje, tem alegria através desses recomeços - ressalta Jader.

Essa região da Rua dos Andradas já foi uma das mais valorizadas de Santa Maria. Tanto que atraiu uma rede de supermercados. Cristian Menezes, presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis (Secovi) em Santa Maria, considera corajosa a iniciativa dos empresários em investir no local. Para ele, a recuperação do valor comercial daquela região da cidade dependerá, agora, da construção do Memorial.

PERFIL DA ÁREA
O que há nos 220 metros da quadra da Rua dos Andradas, entre a Avenida Rio Branco e a Rua André Marques, no centro de Santa Maria: 

Na calçada do lado do prédio da boate 

  • De um lado, um edifício residencial de três andares. De outro, o prédio comercial de três andares onde funcionará o CCF Ativa
  • Ao longo da quadra, há ainda uma igreja, uma imobiliária, uma agência bancária e casas e edifícios residenciais

Na calçada em frente 

  • O estacionamento do supermercado Carrefour
  • A sede da Associação Atlética Banco do Brasil (AABB) e imóveis residenciais

*Colaborou Marcos Fonseca

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